Chegamos ao nosso destino depois de atravessarmos o Central Park - no lado oposto do parque fica o Metropolitan, uma coisa absurda de tão imponente e importante, que tínhamos visitado alguns dias antes. Então, depois de vermos todos os resquícios das civilizações já existentes na face da terra e depois da epifania proporcionada por Abramovic no MoMA, nos considerávamos preparados para qualquer coisa que o Guggenheim pudesse nos mostrar.
Entre Monets e Degas, uma galeria com o Maliévich e outra com projetos de artistas contemporâneos para o "void" do museu, encontro uma escada que com o singelo aviso: Anish Kapoor, Memory. As informações me atraíram - tanto por ja conhecer o trabalho de Kapoor quanto pelo título do trabalho, sempre presente nas minhas pesquisas.
Mas, inicialmente, não consegui colocar as duas informações na mesma sentença: o que já vi (no CCBB e pela internet) do artista tratava sempre de algo perto do imaterial, do fugidio, do incomum, e, pra mim, memória sempre foi a palavra mais pessoal e aconchegante do dicionário. Essa primeira impressão durou alguns minutos. Enquanto eu olhava aquele enorme balão de ferro, que parecia preso numa sala branca, conseguia ver alguns pés do outro lado - comecei então a pensar em a) como aquelas pessoas tinham chegado lá, se a faixa no chão deixava claro que eu não podia me arrastar por baixo da obra e; b) como seria a visão delas, presas naquela outra extremidade da escultura/site-specific/míssil de guerra.
Caminhando um pouco mais por entre os impressionistas, cheguei em outra escada que levava a mais Anish Kapoor, mas que, dessa vez, não era o mesmo míssil, parecia mais ser um quadro... "que bela novidade, um quadro do Kapoor!" - pensei com intimidade. Santa inocência. Ao chegar mais perto, aquele aparentemente quadrado negro (Maliévich?) parecia ter cada vez mais profundidade. Não era uma superfície bidimensional - "aquilo" estava carregado, de vazio e de silêncio.
Finalmente cheguei onde aqueles pés estavam antes. Coincidentemente, outros pernas haviam se mudado para o lado onde eu estava inicialmente - aquilo não iria acabar nunca? Consegui as respostas para as minhas questões iniciais que, afinal de contas, não eram tão complicadas assim. Tudo estava fazendo mais sentido.
Assim como a memória, a obra de Kapoor nos faz reconstruir. Dentro de nossa cabeça juntamos os pedaços, as recordações e as lembranças, e tentamos formar uma visão do todo. O que, porém, nunca chega num total. A reconstituição é sempre turva - somamos o que passou com aquilo que imaginamos ou queríamos que tivesse passado (esse relato pode ser um bom exemplo).
A memória, assim como as obras de Anish Kapoor, não passam de ilusões. E eu espero que continuem a me iludir.
Mais sobre o artista no site oficial.
Video sobre a exposição, com o artista e a curadora, aqui.
4 comentários:
O efeito está na ilusão, eu adoro iludir-me com Kapoor.!
to adorando compartilhar suas surpresas, laurem!
fantástico esse trabalho do kapoor.
Show de bola Laurinha!
Laurem, estava super curiosa para ler a sua matéria sobre a obra do kapoor, no guggenheim. Depois de muitas visitas a museus e x galerias, o kapoor continua a nos surpreender com esta vastidão "silenciosa". Estou adorando o seu diário de bordo de NY!
Beijos
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