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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Arquipélagos Brasilienses

Não há novidade nenhuma no artigo de Luís Augusto Fischer publicado no jornal Zero Hora algumas semanas atrás... bem sabemos os rótulos que são insistentemente impostos a cidade (um dos vários preços pagos por sua proximidade nefasta com o poder público) e já faz parte dos modos locais saber se esquivar deles com certa simpatia e bom humor.

Eu sou brasiliense, e hoje em dia muitas pessoas podem dizer o mesmo. Nascidos e criados aqui, sabemos que Brasília é muita coisa:

Brasília é pipa na torre de teve, é bolha de sabão no parque da cidade, em momentos de tédio pode ser vinho na esplanada, ou, para uma outra geração, pode ser papear em frente ao Pátio. Brasília são as luzes do conjunto nacional, são as tesourinhas. Brasília é carro, muitos carros e nenhum estacionamento. De vez em quando, se está de bom humor e particularmente civilizada, Brasília é ciclista e faixa de pedestre. Brasília é Escola Parque, é Escola Classe, UnB, ipê. É 508 sul, é Beirute e burocracia. Certamente é Lucio Costa e Niemeyer, mas, para mim, é mais Vladmir Carvalho, Cassiano Nunes e Nicolas Behr. É Bianchetti e Babinski, é Dulcina de Morais e Hugo Rodas. É pomba na igrejinha, é jardim de Burlemax, é brincar-embaixo-do-bloco. É pixação na W3, é o estardalhaço das cigarras e caminhada no eixão aos domingos. Brasília é milho na Água-mineral e pastel na Viçosa. É skate no setor comercial sul, é rock /gospel no Conic. É concurso público no fim de semana, é política, é escandâlo, é poder... mas é também coruja-buraqueira, terra vermelha e festival de cinema. Brasília é Honestino Guimarães, é movimento estudantil, é candango empoeirado e juventude entediada, transporte público ineficiente e especulação imobiliária. Brasília é Feira do Guará, Feira dos Importados, é feira da Ceilândia e praça do relógio. Brasília é entre-quadra, é ecatombe moderna, é caminhos-do-desejo. Brasília é o fosso das ariranhas, é ponte JK e açougue-biblioteca. Brasília foi sonho, profecia, loucura, avião e cruz. Brasília é cerrado, índio gaudino, lancha e iate.

Brasília é capital, é deserto, é parque, e, definitivamente, é uma cidade.


Segue artigo do Zero Hora no dia 09 de janeiro de 2010... a versão completa está disponível aqui.


Brasília, aquela ilha distante

Ano passado houve quantos escândalos em Brasília? Assim sem fazer força eu lembro de dois, o do Sarney e seus atos secretos na presidência do Senado (e a penca de afilhados e parentes pendurados em folhas de pagamento oficiais) e o do governador Arruda, que não se perca pelo nome, ele e o seu pessoal todo flagrados com grana viva nas mãos, nas meias, na bolsa daquela senhora, com o suplemento que foi um requinte da hipocrisia geral na oração pós-propina. Nem vou lembrar os aumentos indecentes, as falcatruas de negociação, mais uma quantidade incontável de pequenas e médias negociatas políticas, que dariam vergonha, se o Brasil tivesse vergonha a ostentar.

Brasília, a cidade-palco disso tudo, completa seu jubileu de ouro, o primeiro: tirada da cartola de um presidente mineiro, Juscelino Kubitschek, inscrita no mapa da realidade por milhares de candangos – quem lembra o veículo chamado “candango”, um jipezinho nacional de nome alusivo aos trabalhadores? – a partir de desenho de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, a capital brasileira é, na minha irrelevante opinião, uma demência. Não vai nada de pessoal contra os brasilienses, figuras tão sublimes e tão ridículas quanto os nascidos em Novo Hamburgo, por exemplo; o que aqui vai é uma opinião contra a cidade: Brasília não faz sentido, exceto para os milhares de funcionários que ganham muito, demais, e para os políticos que se escondem lá, longe da opinião pública ativa que só existe em cidade de verdade (se é que continua a existir...).

E Brasília não é uma cidade de verdade; é uma paisagem, um cenário, uma simulação. O senhor já andou por lá? Eu vi logo pelo jeito como o senhor concordou comigo, logo que eu comecei a falar. Cidade real tem esquina e telhado de cor vermelha; Brasília não tem nem uma coisa, nem a outra. A dinâmica de qualquer cidade, atravessar ruas, pegar condução, saudar os transeuntes, olhar os que passam, ir para o trabalho, ser assaltado, tudo isso em Brasília tem um quê de falsidade, a começar pelo já famoso aspecto de delírio totalitário que se esconde no traçado portentoso e na concepção megalomaníaca, tudo com aspecto monumental, que deixa o pobrerio fora.

Historinha exemplar: uma cidade periférica de Brasília se chama Ceilândia (tecnicamente é uma “região administrativa”, não uma cidade). De onde veio o nome? Naquela região do país, o que nós chamamos de favela lá era chamado de “invasão”, porque se tratava de pobre invadindo espaço sem ocupação, perto da cidade-capital que, afinal, tem os empregos. Pois bem: no começo dos anos 1970, as invasões, isto é, os bairros de pobres, chegaram a uma proporção alarmante, considerando o planejamento original – delirante e excludente desde o início, mas enfim planejamento. Daí instituíram – claro, estamos no Brasil – uma comissão para tratar do tema: a comissão para erradicação das invasões, com a sigla CEI. Daí para Ceilândia foi um passo. De forma que Ceilândia é uma vela acesa para a burocracia.

E custa demais para o Brasil. Quando se pegam os números de PIB per capita, Brasília desponta como a cidade de maior índice entre todas as cidades brasileiras. Sim, mas é uma renda que vem, quase exclusivamente, de emprego público pago regiamente. Não tem geração de riqueza propriamente dita. O senhor já calculou, mesmo por cima, o que custam as máquinas do Senado, da Câmara e dos tribunais superiores? Nem queira saber, nem queira saber.

Então a minha saudação ao cinquentenário de Brasília é esta: uma lamentação por sua existência, pelo seu peso nefasto que o Brasil é obrigado a carregar. Por mim, podia ser transformada em museu a céu aberto, e era isso. Eu sei, eu sei, transferir aquela burocracia toda de lá para uma cidade real seria inviável hoje. Mas eu não me conformo.

6 comentários:

luciana paiva disse...

matias, vc nos poupou da parte mais nazi do texto. ainda bem, não é necessário divulgar mais ainda a pretenção sulista por aqui.

de fato não há novidade nenhuma na matéria, só mais da mesma arrogancia e ignorância de sempre, só que dessa vez direcionada à capital. temos que reconhecer que boa parte das críticas à cidade são pertinentes, mas nessas horas é fácil tirar o corpo fora e julgar a cidade, como se os políticos que aqui residem não fossem do país inteiro ou como se alguma coisa fosse mudar se a capital do país fosse porto alegre onde "ninguém pede nada ao presidente". hahah... ai ai os números só continuam comprovando a desigualdade.

fardo pro Brasil é suportar esse tipo de pensamento reacionário e ingrato. nossas terras acolheram esses migrantes europeus, mas em troca eles querem desertar o país pra plantar soja. hahah

João Angelini disse...

na moral,

o Brasil não precisa desse "desenvolvimento evangelico europeu".

separatista fico eu, querendo muito que essa parte "desenvolvida" seja outra, q eles, os nazisulistas, não se identifiquem da mesma pátria que a minha. Fico tentado a querer que eles se separem mesmo.

Mas logo lembro de queridos sulistas, que muito contribuem com nossa história e com nossa cara de brasileiro. E chego a óbvia conclusão que isso não é coisa de sulista, é coisa de nazista. E que esse pensamento, infelismente, é compartilhado por vários outros brasileiros, de vários outros estados.

Matias Monteiro disse...

a tempo, a resposta de Conceição Freitas publicada no Correio Braziliense; pode ser longa, mas vale a pena:


Nós, os dementes (Crônica da Cidade)

Por Conceição Freitas
conceicaofreitas.df@dabr.com.br

Chama-se "Brasília, aquela ilha distante" o artigo de Luís Augusto Fischer publicado no jornal Zero Hora, edição de 9 de janeiro passado. Há que se respirar fundo antes de se embrenhar nos argumentos que o articulista utiliza para considerar Brasília "uma demência".

Retiro algumas pérolas do gaúcho:

1 - "Brasília não faz sentido, exceto para os milhares de funcionários que ganham muito, demais, e para os políticos que se escondem lá, longe da opinião pública ativa que só existe em cidade de verdade (.)".

2 - "A dinâmica de qualquer cidade (.) em Brasília tem um quê de falsidade, a começar pelo já famoso aspecto de delírio totalitário que se esconde no traçado portentoso e na concepção megalomaníaca, tudo com aspecto monumental, que deixa o proberio fora".

3 - "Então, a minha saudação ao cinquentenário de Brasília é esta: uma lamentação por sua existência, pelo seu peso nefasto que o Brasil é obrigado a carregar".

4 - "Por mim, [Brasília] podia ser transformada em museu a céu aberto, e era isso".

Mais adiante, o articulista demonstra que o sul do país é o que menos envia "carta de pobre" ao presidente da República. Ele atribui o fenômeno a três "motivos óbvios". Dois deles: os da Região Sul confiam mais em si mesmos "do que em algum poder abstrato como o Estado provedor, neste caso de Brasília". Os do Sul têm a "herança protestante, a ética positiva do trabalhador oriunda dos imigrantes europeus". Para eles, o Estado brasileiro "tem a ver com outras pessoas", não com eles.

Com esses argumentos, o articulista demonstra que desconhece a cidade real, feita de 2,5 milhões de habitantes, 30 bairros ao redor que só existem porque Brasília motivou sua existência. Despreza (ou desconhece) a influência da região macroeconômica de Brasília sobre o Brasil. É a terceira do país.

Revela sua completa ignorância em relação a tudo o que compõe Brasília, para além da Esplanada dos Ministérios. (O articulista talvez não tenha ido à Rodoviária, ao SCS, às entrequadras, ao SIA, ao Guará, a Taguatinga, aos parques do Plano, às superquadras. Posso apostar que ele não sabe o que é uma superquadra.)

Desconhece que Brasília é o símbolo de um projeto de Brasil cultivado ao longo dos séculos, desde a inconfidência mineira. Que Brasília é a ocupação do Brasil real que até então só existia no litoral e na ponta de baixo.

Desconhece que Brasília é símbolo de nacionalidade, de conquista de território, de criatividade e determinação brasileiras (com os muitos defeitos de uma cidade planejada).

Porém, acima de tudo, o articulista reafirma, nos escaninhos de seus argumentos, o desejo sulista de separação e sua narcísica crença na suposta superioridade da herança europeia sobre a miscigenação negra e índia do restante do Brasil.

O que Luís Augusto Fischer diz, em seu longo artigo ilustrado por um Congresso envolvido por ratos, cobras, chifrudos e dragões, é que Brasil não merece ter em seu território os estados do Sul . A prova de que os brasileiros nascidos na parte de cima são um povo menor é a existência da "demente" Brasília.

Luciana RRR disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luciana RRR disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luciana RRR disse...

Ai que ódio.

Acabei de voltar de Porto Alegre e sinceramente não achei essa cocada toda, muito pelo contrário.
Sem querer ser bairrista mas já sendo, lá tem mais moradores de rua e mais gente nas ruas usando crack que em nossa famosa "C.E.I." inteira...
No mais, os clichês e argumentos desse articulista(zinho), como diz Conceição Freitas, são os mais batidos possíveis; telhadinho vermelho?!? Faça-me o favor! E desiludindo o coitado, a região Sul não se segura sem o restante do Brasil e está mais dependente do que nunca das outras regiões.

Wake up tchê!