Des-pedaços. Laurem Crossetti. 2010
“Olho para você como se olha para o impossível”.
Roland Barthes
Que sacrilégio incomparável rasgar-se uma fotografia! Que crime hediondo (sempre passional) matar uma imagem e privar nossos desafetos, ou nosso próprio passado, da capacidade de a-sombrar-nos como seus olhares turvos e granulares... Quantas vezes essa despossessão foi orquestrada ao longo da história da fotografia? Há uma certa crueldade na impunidade deste ato... nada, no entanto, nos redime.
A fotografia digital (a celebrada imagem numérica) perdeu essas sutilezas: apagar (deletar) uma imagem e confirmar essa decisão de modo quase intuitivo por meio de uma interface (em um mero aperto de botão já basta) banaliza o ato. A fotografia é hoje essencialmente descartável, seu próprio dispositivo prevê que ela seja constantemente eliminada da memória.
Para a psicanalísta Tania Rivera, a fotografia opera um trauma na visão moderna ao re-velar-nos esse “inconsicente óptico”, como alude Walter Benjamin. A fotografia inaugura na experiência subjetiva da burguesia urbana o direito de ser registrado; o direito de ser visto e lembrado, de encenar, performar, sua própria existência e, de certa forma, realizar-se na imagem de seus próprios fantasmas. Esses vestígios, produzidos de bom grado, alicerçam nossas próprias mitologias de origem. A fotografia prestra-se a sua vocação; é absolutamente pretérita.
Estas são fotografias que se lamentam; convertem-se no registro de um desastroso infortúnio e de uma constatação: “Nunca mais me olhou daquela maneira”[1]. Essa espécie de nostalgia melancólica confunde-se com a demanda por um olhar (por um modo particular de olhar - “daquele jeito”[2]-, como a intensidade de um olhar perdido). Lançamo-nos, então, na busca por esse olhar que, supõe-se, encantador (se por nenhuma outra razão, simplesmente porque o olhar fotográfico é o olhar da sedução).
Mas esse olhar esta desrealizado, como a própria face da outrora jovem noiva. Não o encontramos, aonde quer que o procuremos; ele não comparece. A operação de reconstituí-lo falha. A memória se dá em precariedades, em perdas, em ruínas... A reconstituição é aqui o exercício de uma certa insensatez, uma estratégia rudimentar... há algo de extremamente patético e, portanto, profundamente humano, nesse fracasso. A vida vacila, a memória falha e o olhar esvazia-se... captura-me o “nunca”.
[1] E aqui também o texto nos é dado como fragmento, reconstituído/orquestrado.
[2] Não é esta, afinal, a demanda do fetishista; um glance, o vislumbre, um determinado modo de olhar que o sujeito lança e, mediante o qual, o objeto de seu desejo o captura e o facina?
6 comentários:
Bárbaro Matias, muito bom...
Ana Marta
Obrigado ana,
O trabalho da Laurem ainda rende muito mais... pena que o tempo, o espírito e a mão nos traem...
Ei laurem, bonita a nova série! o olhar e a imagem fotográfica como perda irrecuperável.
matias, um fofo.
;)
Nossa Laurinha, me fez chorar...Carregado de sentimentalidade! Quero mais e mais!
oun <3
Os fantasmas das imagens me interessam...
Postar um comentário