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domingo, 21 de junho de 2009
sexta-feira, 19 de junho de 2009
24 horas de desenho
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Palestra Circuito Educativo BrasiliaAthos
Chris Marker: Bricoleur Multimídia
IMPERDÍVEL!
Teatro do CCBB (70 lugares mais 3 para cadeirantes)Entrada: R$ 4,00 e R$ 2,00 (meia para estudantes, professores, funcionários e correntistas do Banco do Brasil e maiores de 60 anos)Bilheteria: Terça a domingo, das 9h às 21h Tel: (61) 3310-7087
Classificação: 12 anos
http://www44.bb.com.br/appbb/portal/bb/ctr2/bsb/DetalheEvento.jsp?Evento.codigo=33237&cod=2
quinta-feira, 11 de junho de 2009
ALL
FALL
por Matias Monteiro
Bas Jan Ader
Quando criança, um velho livro de astronomia fora o suficiente: Decidi, aos 7 anos que queria ser astrônomo. Poderiam me perguntar “porque não astronauta ?” (algum inquisidor de clichês pueris sem dúvida o faria, caso eu não tivesse tomado a precaução de, pela maior parte, manter minha convicção secreta). Ora, o espaço parecia-me muito hostil e, certamente, continha distâncias muito tediosas; além disso, um astrônomo razoavelmente aparelhado seria capaz, com seus dois pés fincados no chão, de contemplar aquilo que um astronauta jamais experimentaria. Com um simples folhear de páginas, eu estava nos grandes planetas gasosos de nosso sistema solar, nas superfícies rochosas e acidentadas dos asteróides, no luminescente rastro de um cometa apressado. Abandonava-me confortavelmente em uma poltrona reclinada no planetário e estava pronto para realizar minhas explorações intergalácticas. Embora houvesse empecilhos de ordem cognitiva naquele momento (por mais que tentasse não parecia ser capaz de conceber o infinito, dificuldade que, eu imaginava, seria resolvida a seu tempo), eu estava decidido: Sim, seria um astrônomo, poderia ver o cosmos, e isso me bastaria.
Pois, vejam vocês, para algumas crianças ver já basta. Os corpos celestes enviavam-me solícitos sua imagem, desejavam ser vistos, eram verdadeiros exibicionistas. O mundo está desperto para a intelecção pueril; anima-se mediante a visão da criança por saber que “nenhum aspecto da vida [lhe] é indiferente”[1]. Devemos aprender a bailar con las cosas[2] ou, ao menos a jogar com elas[3].Obviamente o desejo de ser astrônomo não se concretizou (resta ainda um interesse amador, como um deslumbre e um encantamento nostálgico), mas, o desejo de ver, esse permaneceu; e um dia eu descobri que minha vocação era a de ser um observador, um apreciador e, nos casos mais radicais, um fruidor.
Talvez nada disso seja necessário para escrever algumas poucas linhas sobre a instalação All, de Luciana Paiva. Mas no campo das artes não tratamos de necessidades, mas, como argumenta Merleau Ponty[4], de urgências. Foi mediante a esse olhar, instruído pelos grandes eventos astronômicos, que eu vi a obra em questão.
A montagem pareceu-me excepcionalmente simples (e, portanto, podemos supor que envolva um processo rigorosamente complexo, pois, assim costuma ocorrer com as coisas que nos parecem simples); uma instalação modular diretamente realizada sobre a parede de uma sala em penumbra. Essa formatação (módulo sobre parede) parece ser a tônica dominante da obra de Luciana Paiva, ao menos de suas obras mais recentes. Em 2008 realizou duas instalações com soluções bastante próximas: Quando criança, eu fugi e Pequenas distâncias. Não apenas essas três obras compartilham apresentações análogas, também é possível através delas perceber uma sutil mudança no foco de interesse da artista no que concerne um de seus temas recorrentes: o uso da palavra escrita.
Se Quando criança, eu fugi é formada por um jogo associativo de palavras (ao modo surrealista), Pequenas distâncias apresenta-nos grafismos secretos que se sugerem como ideogramas, criptografias, símbolos matemáticos, etc., para, por fim, revelarem-se como inscritos em um processo narrativo. Em All a palavra não está mais apresentada (a não ser pelo alusivo e sutil título da obra). Luciana parece de certo modo se desvencilhar da palavra como registro escrito para abordar, então, a linguagem como estrutura. O que está em questão em All é essa composição (poderíamos dizê-la melódica) que se revela na repetição e alternância de padrões, no exercício de uma insignificância (ou uma insignificação) que lhe é própria.
As dezenas de pequenos papéis laminados, dispostos de forma tão delicada sobre a parede, encobrindo (ou eclipsando) minúsculas fontes luminosas, possui uma singeleza rudimentar: Percebemos seus fios, seus apoios, as pequenas fissuras na finíssima película metálica. Luciana convida-nos, assim, a uma poética da precariedade, da banalidade.
Depois de algum tempo de observação cuidadosa, identifica-se essa nebulosa metálica como sendo composta de pequenas embalagens de bombom cuidadosamente abertas e desamarrotadas (não outro senão o chocolate Alpino, com sua superfície dourada e seu pequeno monte omitidos contra a parede; uma clara alusão ao desejo de ascensão e os riscos da vertigem). O universo (aquele que realmente vale a pena ser visto) pode ser obtido das formas mais simples: velhas impressões em um livro antigo nos fazem astrônomos, algumas bolas de isopor já bastam para que o estudante prodigioso simule as elipses planetárias. Por vezes o encantamento da simplicidade nos passa despercebido frente a nossa eterna expectativa pelo espetáculo. Amar um material descartado, viver em suas imperfeições é um procedimento extremamente afetuoso e difícil de exercitar. Por vezes o finíssimo metal parece demasiado áspero a nosso olhar domesticado.
Luciana propõe-nos que exercitemos essa capacidade de sonhar; revela-nos que “Uma série de olhares poderia ser tão sólida quanto qualquer coisa ou lugar (....)”[5]. Devolve-nos essa capacidade (tão valorizada por Baudelaire) de surpreendermos com o cotidiano e com o banal; e de ver estrelas, aonde quer que elas apareçam.
Brasília, 2009.
[1] BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade. 2007. p. 20.
[2] Lama TSULTRIM em Conferência realizada em Brasília em 15/12/2008.
[3] “En el reino de las cosas el niño viene a ser una cosa más, que juega con ellas. El hombre no. El hombre es el amo que dice al objeto:‘іYo te pongo aquí!’. En cambio, en el juego del niño, es el objeto el que ruega: ‘Ponme aquí”. ZAFFARONI, Raúl. Apud: PELUFFO, Gabriel. Em: PORTER, Liliana: 2003. p. 169.
[4] MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. 2004. p. 15.
[5] SMITHSON, Robert. Em: CONTRIM, Cecília, FERREIRA, Glória (org), p196.
terça-feira, 9 de junho de 2009
Entrevista Allan de Lana
Nome: Allan de Lana
Idade: 28 anos – Brasília-DF
Em Brasília, devemos ficar atentos a obra de: (Cildo Meireles?) e Fernanda Mendonça.
DNB -A maioria dos seus trabalhos podem ser entendidos como instalações nas quais o processo é muito presente. Em algumas propostas, como, por exemplo, em Duas maneiras de furar a si mesmo, o trabalho chega a confundir-se com o procedimento de elaboração. Essa noção processual configura-se como parte importante de sua poética?
Allan - É...
DNB- Embora seus trabalhos aparentem certa aleatoriedade, eles também evidenciam métodos, por vezes bastante rigorosos; Você cria procedimentos que possibilitem um certo descontrole?
Allan- Não, não... o procedimento é sempre um controle... Minha intenção não é unicamente gerar um descontrole, até por que, na verdade, trabalhamos com coisas em que o controle não é tão necessário assim, o descontrole às vezes é bem vindo (se torna um tipo de controle). O aleatório não tem a ver exatamente só com controle e descontrole, mas com a organização do mundo. (...) Mesmo quando uma experiência é tida como ‘aleatória’, ela configura uma ordenação ou posição. Há uma intenção, há o direcionamento de um sujeito para uma experiência. A arte sempre encontra esse universo de coisas, e o sujeito sempre tenta organizar, tenta se posicionar de alguma forma, descontroladamente ou não.
DNB- Existe alguma distinção entre o acaso e o aleatório?
Allan- Existe. O aleatório é a experiência de um universo pronto, selecionado (em positivo). Ela delimita um universo e o põe em rotação. O aleatório configura-se dentro de um procedimento definido de antemão e probabilístico. Já o acaso tem a ver com a casualidade, está mais próximo de uma experiência de ouvir o fluxo cotidiano, as coisas que acontecem ao fundo. De repente, imagine o fato de uma pessoa cair de uma escada – da escada deste bar –, isso é algo casual. E ela pode transformar isso em algo não casual, mas isso é elaborado depois – a queda é uma casualidade, que poderia ser só um acontecimento extra no pano de fundo do dia-a-dia de alguém, como o conjunto dos outros acontecimentos que o cercam e se passam a nossa volta. São duas experiências que tem a ver com essa ordenação ou posicionamento do sujeito e que estão muito presentes na minha forma de pensar. Ambas são importantes para transformações da arte moderna e contemporânea... fazem como aquela peça, Impressões da África, de [Raymond] Roussel... Na peça havia, por exemplo, a máquina que pintava, entre muitas outras coisas que colocavam a questão de autoria. Você tinha um objeto idêntico a uma pintura realizada por um artista consagrado, e as pessoas poderiam até dizer “como pinta bem!”, mas quando vissem a máquina pintando poderiam se frustrar, “o que estão vendo não saiu de dentro de alguém”, não tem nada a ver com uma subjetividade autoral, emotiva, chorona. Não se trata de algo que estava dentro, que pode ser expresso e assimilado. O aleatório e o acaso possibilitam essa ruptura também: de um pensamento no qual o autor seria o único configurador da obra. Às vezes uma obra pode simplesmente ser uma oportunidade que permite a reflexão sobre o próprio processo e gesto poético. O poema não como um mecanismo de expressão, de por-para-fora, mas de reflexão sobre uma situação, um pensamento, por vezes teórico, de alguém que quer se compreender no agora, ou perguntar o que é o artístico e o lugar da obra.
Allan - Esse não é um pensamento recente. Muita gente já falou que a folha da árvore reflete o universo inteiro. Mas acho que nosso mundo é muito mais ordenado por conta de uma necessidade de fabricação industrial do que por uma determinação natural, de uma natureza naturante. Um forro de uma mesa pode ter um círculo do tamanho de um copo, e às vezes isso é uma questão de maquinaria, uma questão industrial...
DNB- Mas quando a padronagem da bolinha de um papel de seda é do tamanho da cabeça de um prego, isso parece não cumprir nenhum propósito mercadológico, parece despropositado nesse sentido; se você fala da padronagem do forro de mesa e do copo podemos intuir uma relação de intencionalidade...
Allan- É verdade..., mas se você for pensar isso universalmente, tudo corresponde. Então você acaba obrigado a acreditar em tudo, porque tudo pode ser colocado de uma forma crível. Esse pensamento é muito antigo, está presente desde os pré-socráticos. Se isso se encaixa, como isso não pode ser a peça fundamental do mundo? Como ele pode não conter o segredo de tudo? Essa era uma questão para Pitágoras e um grupo relacionado a ele que ficou conhecido como pitagórico – às vezes não se distingue quem é quem ou quem disse primeiro. Existia uma questão muito espiritualizada e órfica entre eles e isso acabou influenciando os teoremas e todo o pensamento dele. Dizia-se que existia um momento da consciência que permitia ao sujeito se encaixar na origem... Isso equivalia à experiência da morte, mas ele alegava que para se conhecer esse outro lado do universo, do mundo, não era necessário morrer; você poderia estar vivo, meditar e realizar o ritual de saída do corpo e retorno à origem da alma. A sensação de gozo e prazer estaria nessa experiência do encaixe da alma na sua origem, e isso se tornou uma teoria do belo. Um encaixe que não é só ajustar um objeto no outro. Pitágoras realmente pensava que o que tornava uma mesa bela era o fato de haver um encaixe, e que o artesão deveria criar coisas para se encaixarem. Ele pregava que o mundo deveria ter um rastro daquele encaixe, o mundo deveria ser belo dessa forma. Então a questão do encaixe é sempre corporal e mundana, mas pode ser e é espiritual também, pois os objetos justos lembram a libertação da alma que se ajusta à sua origem. É uma questão de se conseguir outro tipo de corpo [liberto do corpo físico] e outro tipo de relação espiritual.
Quanto a furar o papel, estou propondo pensar esse tipo de relação, pois a sociedade se acostumou a acreditar nos encaixes e no que é perfeito por que está encaixado e, estando assim, está tudo bem... Mas você sabe como é isso em Como furar papel-de-seda-azul-com-bolinha-branca. Seria massagem?
DNB- Nesse sentido, no seu trabalho, o encaixe não é exatamente complemento, não possibilita uma totalidade que nos assegure; ele opera perda porque o furo gera uma incompletude...
Allan- O furo, na verdade, é uma coisa legal...
DNB- Nós também achamos...
(risos)
DNB- Seu trabalho sugere certa precariedade, o que já gerou problema com algumas instituições, como você lida com essas situações?
Allan- Eu já passei por essa situação várias vezes... Inclusive duas ou três vezes em um mesmo espaço. Certa vez eu tive que montar meu trabalho três vezes seguidas [porque a equipe de limpeza do espaço desconfigurava a instalação]. Na terceira vez eu fiquei bravo, porque o espaço não me deu nenhum apoio; Fiquei desnorteado, pensei em tirar o trabalho da exposição. Falei com a curadoria e com a coordenação da montagem e ninguém fez nada, ninguém me ajudou. Mas essa era uma incompreensão do momento. Hoje eu entendo que isso faz parte do trabalho... A instalação está ali, no meio de uma passagem (embora a galeria não seja um local de passagem comum – ela é feita para integrar as pessoas que entram nela; ela incorpora o social e o indeterminado). No momento em que eu fico com raiva, eu perco a oportunidade de entender melhor esse processo e a estrutura que ele reflete. Não se trata de só dizer que os espaços culturais de Brasília são um fiasco, não é exatamente isso, mas entender que existe uma dinâmica que nós precisamos enxergar. Neste caso específico, por exemplo, existia uma questão de escolaridade (além de outras) porque eu coloquei um bilhete e a pessoa não leu; (...) e depois eu descobri que ela era analfabeta.
A instalação é uma prática muito ampla, além do que nós pensamos que ela é... na verdade, quase tudo é mais amplo do que nós pensamos. O Paulo [Faria] citou o Borges [Na entrevista do mês passado no DNB], mas vem à cabeça outro personagem: o Pierre Menard, que reescreveu Dom Quixote letra por letra dizendo que ele estava escrevendo aquela obra originalmente. Ao inseri-la em um contexto diferente, em outro século, realmente não podemos mais dizer que aquele texto é o primeiro Dom Quixote. Só se pode ler o texto em contexto. Não há como conceber uma poesia fora do mundo e a instalação é feita no mundo, isso faz parte do seu desenvolvimento. É difícil falar de instalação porque ela não configura uma linguagem. Dizer que, para pintar uma tela, antes é preciso pintar uma base branca se aplica a uma parte da história da pintura e a muitos pintores. Na instalação não há tal linearidade. Tem gente que faz instalação, e cada instalação é diferente, tem a sua própria “base”. O que está incorporado é a questão do espaço como parte da obra e não só da obra no espaço... E o espaço da obra é um espaço habitado.
DNB- Alguns de seus trabalhos partem de questões ou situações coletadas durante viagens realizadas com esse intuito específico (ou assim nos parece). Sua pesquisa poética se beneficia da posição de exílio que essa peregrinação possibilita?
Allan- Sim, se beneficia... Na verdade, eu acho que o trabalho feito e colocado em galeria, ou uma obra exposta, não é A obra de arte, não é A arte. Você pode argumentar, por outro lado, que exista uma diferença entre obra arte e uma vivência poética ou algo assim... Tudo bem, mas eu não estou preocupado em validar algo como obra de arte, que só possa ser experimentado de forma aparentemente acabada ou publicável. Eu acho muito legal que haja um espaço institucional ou público, porque a galeria acaba sendo também um espaço experimental, e vivenciar o espaço, para mim, é muito bom. Mas eu não pretendo necessariamente ser alguém que faz a arte ou que a defina. Não necessariamente. O que influencia minha poética (como experiência) é outra coisa: é como eu estou enxergando o mundo, como estou caminhando nele. A Land Art, por exemplo, produziu muito do que não é ‘galerizável’, não é comercializável... Que não pode entrar em um espaço como objeto.
DNB- Mas aí nasce o registro...
Allan- Sim, nasce o registro e outras estratégias, mas penso que muito dessa experiência ainda tenha validade como processo. A experiência do viajar e, nesse processo, incorporar aspectos da vida: isso me interessa. A viagem não termina... Ela continua. Ela não está condicionada ao mero deslocamento físico, geográfico, mas pode ser a viagem dentro do quarto ou viagem consigo, como naquele livro de Xavier Demaistre, Viagem a roda do meu quarto. A pessoa que vai para a Disney para dizer que esteve lá não viajou para a Disney, se deslocou (fisicamente). Chegou lá, depois chegou aqui. Nada com a Disney, mas a viagem para mim não é exatamente isso, mas o que se tem a dizer sobre isso.
Outro dia li uma entrevista da Meredith Monk com o [Frans] Krajcberg, na qual ele conta que entra na floresta para tirar fotos, muitas fotos, e parece que ele tem um acervo enorme de registro de queimadas (ele entra na floresta e tira fotos das queimadas dentro da floresta) e matas. Mas isso não significa que ele seja fotógrafo. Não é isso que ele quer expor. Ele até usa algumas imagens nas instalações, mas não é isso, de tirar fotos, que ele quer mostrar. Ele não se define como fotógrafo, mas diz usar a fotografia na sua experiência de estar na floresta, de ver as formas vivas da natureza, que o ensinam a trabalhar. A foto o ajuda a olhar aquela imagem de um universo em declínio, de um esgotamento de recursos, do peso de uma vivência e de uma elaboração poética que às vezes não transparece nas esculturas e objetos, mas que ele guarda para si. E dizem que de fato o seu acervo pessoal é muito vasto. Acho que também posso chamar isso de um deslocamento, mas não se trata de um mero deslocar-se de lá-para-cá, mas de deslocar mais que o corpo, deslocar vivências e aprender com isso.
DNB- Dentre os elementos coletados estão os sons, posteriormente trabalhados em paisagens sonoras... Como se dá essa relação entre imagem e som no seu trabalho?
Allan- Dependendo de como você o “vê”, o som é imagem. É uma questão de como perceber o mundo. Nos focamos muito no conteúdo de uma imagem, como imagens psicopatas que não permitem elucubrações; “Eu vejo esse livro aqui” e pronto, não há mais possibilidade. “Isso é um livro; isso é uma coisa de folhas”. Essa é a visão que normalmente se divulga: a imagem do objeto é praticamente o objeto; não se pode falar mais nada. Mas se eu pergunto para uma pessoa, e ela tem paciência de explicar essa imagem, ela mesma se dá conta de que a imagem que ela está descrevendo não corresponde totalmente ao que ela pensava ver. Essa visão estática é teológica, religiosa: “o mundo está completo, estava completo antes mesmo de ser criado. E pronto!”
Ampliando um pouco mais, o som, o cheiro, o tato também fazem parte do mundo das imagens e podem ser trabalhados. Se você conversa com um cego, ele não se abstrai de todo da visão, do ver... é sinal de que a visão não se resume a olho, a cones e bastonentes, é outra coisa. Ele desenvolve um conceito de visão e entende de algum modo quando se fala de cores e formas – a visão tem outra dimensão enquanto imagem.
Os sons também podem ser trabalhados do mesmo modo que você trabalha a cor, as linhas, o plano pictórico a partir de tensões e campos. Tudo bem, isso resulta de um processo de evolução musical e de mudanças no que se entende por musica. Mas eu não considero que eu faça como músico, não acho que eu seja músico ou que eu faça música.
DNB – A noção de imagem que você está propondo parece englobar toda nossa experiência sensível; o que você define por imagem?
Allan- A imagem não pode ser reduzida a um só sentido, ela não é um sentido. A questão da imagem teve um desenvolvimento marcado pela psicologia cognitivista, e esse desenvolvimento levou para que se priorizasse essa idéia de equivalência, do o que se vê corresponde ao que é, de forma que o sujeito não só aplicasse a imagem aos objetos para compreender-los em sua totalidade, mas fosse também capaz de recorrer a eles pela memória. Mas quando falamos em um objeto “em contexto”, já não somos mais tão objetivos assim. Com o passar do tempo, questionamentos acerca dessa equivalência surgiram, principalmente com a fenomenologia e a psicanálise. O que vemos é sempre completo? A imagem como ligada exclusivamente à visão é primeiro uma questão religiosa: “não é possível a visão parcial, porque tudo já estaria completo.” Isso não é um dado natural, mas uma invenção amparada por esse tipo de pensamento. O que a fenomenologia propõe é que a imagem não comporta apenas uma qualidade visual, mas que ela pode ser retomada de várias formas, reiterada. Esses objetos ou obras de arte podem ser repostos e rediscutidos e não apenas a visão está em jogo, mas outros sentidos, sentidos que nós mesmos não conhecemos na percepção. A imagem não é algo passivo que deva ser assimilado, nem é um armazenamento de coisas. A mente humana é capaz de armazenar a partir de percepções, mas esse é um procedimento de retenção; um movimento de armazenamento sensível e pronto: não dá conta sozinho das outras operações.
Allan- Acho que tudo que você põe na galeria repercute como uma bateria tocando. O Brian O’Doherty fala nisso [Em No Interior do Cubo Branco: A ideologia do espaço da Arte]: a galeria se torna esse cubo branco no qual qualquer barulho se torna audível, um punhado de terra, ele se torna “A grande coisa”. Em uma instalação sonora não há só o som, a não ser que você esconda os equipamentos. A partir do momento que você coloca o objeto, acabou: você vai ter que trabalhar esse objeto, não tem outra saída. E eu faço questão de mostrar o que está acontecendo, as obras não tem muitos bastidores. Eu escondo, sim, algumas coisas para obter um impacto maior, mas, sempre que possível eu prefiro trazer os bastidores para frente, como elemento.
DNB- Atualmente você está trabalhando com direção de arte no documentário Braxília de Danyella Proença; como está acontecendo essa passagem da produção de audiovisual no contexto das artes visuais (a sua pesquisa com animações [ver barra de vídeos ao lado]) e o cinema?
Allan- Tá massa... Tá bem bacana [sic]. Eu e o Rodrigo Paglieri estamos fazendo a direção de arte. É um documentário, o que é bem diferente do que eu já havia feito com as animações. Mas nesse caso a Dany desenvolveu o projeto com uma preocupação grande de fazer escolhas que não refletissem um modelo de documentário... chato – como passo-a-passo. Ela tentou pensar toda a questão do documentário a partir do fato de a poesia do Nicolas [Behr] ter uma relação com o espaço de Brasília. Não só uma relação do poeta, mas da poesia. Então é um documentário muito mais próximo da poesia, para a questão da linguagem, de “como” fazer, buscando evitar os clichês e de uma forma coerente com a poesia do Nicolas Behr. Então se tornou um pensamento sobre a poesia, e especificamente sobre a poesia dele. E o que é mais bacana nesse documentário é que ele traz uma figura que viveu um período de produção poética intensa, e a forma como essa produção surgia não era editorial, mas por vezes de forma mambembe, como intervenção poética. Havia uma reprodução caseira dos textos, na qual os próprios poetas dominavam todo o processo de editoração: faziam a impressão no mimeógrafo, recortavam as páginas, grampeavam e vendiam - dominando assim toda a cadeia produtiva. Acho que isso reflete um momento muito poético forte, apesar de ser um momento de muita repressão. Acho que foi uma escolha bacana da Dany...
DNB- E essa escolha de trazer o processo poético para o primeiro plano, compondo quase uma biografia da obra, parece ter relação com o seu processo de trazer os bastidores para frente... deve ter sido interessante nesse aspecto..
Allan- É, tem partes interessantes que são completamente imaginadas. O Nicolas é muito criativo, tem idéias o tempo todo... e essas inquietações dele nos levou a propor cenas imaginárias. Está sendo uma experiência boa.